I.
É no meu cérebro que passeia,
Como no seu apartamento,
Um gato doce e atrente,
Mal o consigo ouvir, se mia,Porque o seu timbre é tão discreto;
Mas a voz, calma ou iracunda,
É sempre rica e bem profunda.
É o seu encanto e o seu segredo.
A voz, que goteja e se infiltra
No meu fundo mais tenebroso,
Enche-se, qual verso copioso,
E satisfaz-me como um filtro.
Adormecendo os males cruéis,
Ela continha todos os êxtases;
E pra dizer as maiores frases
Não necessita de palavras.
Não, não existe arco que morda
O meu peito, raro instrumento,
E faça majestosamente
Cantar essa vibrante corda,
Como a tua voz, ó misterioso
Gato seráfico, tão estranho,
No qual tudo é, como num anjo,
Tão subtil como harmonioso!
II.
No seu pêlo loiro e moreno
sai o mais doce dos perfumes,
E eu fiquei impregnado quando
Lhe fiz uma festa, só uma.
Deste lugar é ele o espírito;
Ele julga e preside, ele inspira
Tudo o que nesse império existe;
Será ele fada, será deus?
Quando os meus olhos, nesse gato
Fixados como por um íman,
Dóceis se voltam fascinados,
E olho pra dentro de mim,
Vejo com espanto o fogo ardente
Das suas pupilas tão pálidas,
Claros fanais, vivas opalas
Que me contemplam fixamente.